Nos últimos dias o assunto em pauta em Groaíras é o Projeto de Lei enviado pelo Excelentíssimo Senhor Prefeito à Câmara Municipal, o qual institui o regime jurídico estatutário no âmbito da Administração Pública dessa cidade. A polêmica está instalada e um dos motivos é o fato de muitos servidores não entenderem exatamente do que se trata o referido projeto. Na contrapartida, não há esforço da Administração de suprir as lacunas que tanto dificultam o entendimento popular.
No intuito de tentar contribuir com a discussão, me atrevi a desenvolver, de forma sintética, algumas considerações sobre o tema.
Comecemos pela redação original do art. 39 da Constituição Federal, que segue:
Art. 39. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão, no âmbito de sua competência, regime jurídico único e planos de carreira para os servidores da administração pública direta, das autarquias e das fundações públicas (grifo nosso).
Estabelecer regime jurídico único, significava, com base na norma supracitada, que a União, Estados, Distrito Federal e Municípios poderão instituir, no âmbito de sua circunscrição, o seu regime jurídico, a forma como a Administração se relaciona com os seus agentes. Este pode ser contratual (celetista ou trabalhista) ou regime legal (estatutário). É uma questão de escolha: ou opta-se pelo celetista e aí tem-se um regime contratual em que se aplica as normas da CLT e o foro competente para dirimir os conflitos entre os servidores (empregados) e a Administração Pública (empregador) é a Justiça do Trabalho, ou opta-se pelo regime legal, em que se aplica a lei do estatuto dos servidores públicos (lei local) e o foro competente para dirimir os conflitos entre os servidores e a Administração Pública é a justiça comum estadual.
Ocorre que a Emenda Constitucional 19/98 (Reforma do Judiciário) alterou a redação original do art. 39 da Constituição Federal do Brasil: Art. 39. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão conselho de política de administração e remuneração de pessoal, integrado por servidores designados pelos respectivos Poderes. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998) (Vide ADIN nº 2.135-4)
Em linguagem popular, a redação dada ao art. 39 pela EC 19/98 determina que cada ente político poderá ter tanto o regime estatutário como o celetista. No entanto, o Supremo Tribunal Federal – STF, decidiu em sede cautelar (Vide ADIN nº 2.135-4), que a nova redação do dispositivo normativo informado padeceu de inconstitucionalidade formal. Na verde ele foi rejeitado pelo Congresso e, no momento da redação final da EC nº 19/98, acabou sendo posto. Dessa forma, o que está em vigor hoje no Brasil, até o que o STF julgue o mérito da ADIN nº 2.135-4, é a redação original do art. 39 da Constituição Federal, ou seja, vige a obrigatoriedade do regime jurídico único e cada ente político pode optar pelo contratual (celetista) ou legal (estatutário). Na prática, a maior parte dos entes federativos (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) optou pelo regime legal (estatutário), o que não impede que os entes políticos que já adotavam o regime contratual (trabalhista) continuem com o mesmo. O que não pode é ter, no mesmo âmbito de circunscrição, o regime trabalhista e o estatutário.
Cabe explicar que o celetista é empregado público, enquanto o estatutário é servidor público (estrito senso). A este se aplica a estabilidade prevista no art. 41 da Constituição Federal. Àquele, segundo o Professor José dos Santos Carvalho Filho (2010, p.), possui estabilidade relativa.
As consequências da estabilidade é que o servidor público (estatutário) só perderá o cargo nos casos previstos no art. 41 (sentença transitada em julgado, procedimento administrativo em contraditório, avaliação periódica de desempenho, etc.).
A estabilidade relativa do empregado público a que se refere o Professor José dos Santos Carvalho significa que a dispensa do mesmo não poderá ser imotivada. A motivação serve ao atendimento dos princípios norteadores da Administração Pública, dentre os quais o princípio da publicidade, bem como ao controle de legalidade, dado que atos ilegais poderão ser anulados pela própria Administração Pública (autotutela) ou pelo Poder Judiciário (legalidade).
Reforçando a ideia da estabilidade relativa, importante observar o que prevê a Súmula nº 390 do TST:
Súmula nº 390 do TST
ESTABILIDADE. ART. 41 DA CF/1988. CELETISTA. ADMINISTRAÇÃO DIRETA, AUTÁRQUICA OU FUNDACIONAL. APLICABILIDADE. EMPREGADO DE EMPRESA PÚBLICA E SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. INAPLICÁVEL (conversão das Orientações Jurisprudenciais nºs 229 e 265 da SBDI-1 e da Orientação Jurisprudencial nº 22 da SBDI-2) - Res. 129/2005, DJ 20, 22 e 25.04.2005
I - O servidor público celetista da administração direta, autárquica ou fundacional é beneficiário da estabilidade prevista no art. 41 da CF/1988. (ex-OJs nºs 265 da SBDI-1 - inserida em 27.09.2002 - e 22 da SBDI-2 - inserida em 20.09.2000)
II - Ao empregado de empresa pública ou de sociedade de economia mista, ainda que admitido mediante aprovação em concurso público, não é garantida a estabilidade prevista no art. 41 da CF/1988. (ex-OJ nº 229 da SBDI-1 - inserida em 20.06.2001). (grifos nossos).
Como se observa no inciso I do entendimento sumular supracitado, a estabilidade do art. 41 da Constituição Federal se aplica aos empregados públicos (celetistas). Assim sendo, este só será dispensado nos casos previstos nos termos do art. 41 da Constituição Federal.
Conclusão, regime estatutário ou no celetista, é questão de opção da pessoa política (União, Estados, Distrito Federal e Municípios). A preferência brasileira pelo regime legal (estatutário) se dá ante a desoneração do ente federativo com relação a algumas obrigações (ex. pagamento de valores relativos ao FGTS). Já no que se refere à estabilidade, num ou noutro regime, estatutário ou celetista, o ato de dispensa do servidor será sempre motivado, para controle de legalidade do ato.